26 December 2006

Vagabundo


A ampla janela da sala de estar, deixava que toda a cidade entrasse pela casa, mesmo sem que para isso tivesse sido convidada. O fernesim mudo de pessoas andando pelas ruas conferia movimento ao local vazio de gente. João olhava no horizonte e via um sol moribundo que minuto após minuto desfalecia, terminando o seu reinado. Rei morto Rei posto. Não tardaria muito que o seu sucessor, a lua, ocupasse o trono do reino das trevas. A noite chegava e preparava para se instalar com todo o seu negro mistério, com a cegueira da escuridão, o sofrimento da ignorância. A noite sempre despertou uma dualidade de sentidos. Associada ao lado negro e mau, sempre nos trás à ideia lembranças boas de noitadas e aventuras. Na noite o ser humano sente-se longe dos holofotes que o controlam e liberta-se das amarras que durante o dia o prendem a margens nem sempre escolhidas.
Talvez por isso a chegada da noite começa a inundar João de pensamentos até ai desconhecidos, censurados durante o reinado do rei sol, mas que vêm a luz do dia com a chegada da noite. Ele estava só. Fazia mais de duas semanas que não satisfazia os seus mais profundos desejos carnais. Desde que terminara a última relação com a sua secretária, uma loura platinada que tinha tanto de bela como de plástica, mas que na cama o tinha conseguido transportar a locais nunca antes visitados, não mais esses desejos tinham sido satisfeitos. Desde esse dia, já passaram mais de seis meses, que ele ansiava por voltar aqueles locais paradisíacos, mas não encontrava o meio que o transportasse até lá. Já vagueara pelas ruas, as reais e as virtuais, qual vagabundo errante em busca de algo tão precioso quanto dificíl de encontrar. Dificíl de encontrar não o fim, que esse em si era do mais fácil de conseguir. Dificil era de encontrar era aquele meio certo, por não saber exactamente o que era e onde estava.
João sentia um vazio enorme. Todos os dias e em todos os locais ecoava a palavra amor. Canções na radio, artigos nos jornais, argumentos de cinema e televisão. O amor andava na boca de todos, como algo de tão trivial e simples que fazia parte da vida de todos. E ele nunca o tinha encontrado. Não sabia o que era. Não sabia onde estava. Não sabia sequer como o encontrar. O máximo que até hoje conseguira fora o satisfazer carnal que a secretária lhe tinha proporcionado. Mas essa satisfação fazia-lhe lembrar as suas esporádicas idas ao macdonalds. Comia um big tasty e ficava completamente saciado, mas bastava passarem poucos momentos para voltar a ficar com fome. Aquela comida tinha um curto efeito. O sexo sem mais para ele tinha um curto efeito, satisfazia a necessidade momentânea mas a fome voltaria logo a seguir ainda com mais força.
Será que o sexo era incompativel com o amor? Deveria ele procurar primeiro o sexo e depois juntar-lhe o amor? Ou antes pelo contrário deveria primeiro procurar um sentimento forte como o do amor e só mais tarde lhe juntar a componente fisica. Infelizmente por muito que nisso tivesse meditado a resposta não lhe tinha ainda surgido. Porque razão para tudo na vida existem manuais e para esta situação em concreto não existe nada. Eventualmente numa daquelas prateleiras de supermercado existirá uma edição de uma qualquer americana psicopata a descrever as 10 etapas para atingir o amor. Ou de certeza que se fosse ao quisoque à entrada do prédio uma daquelas revistas cor de rosa teria nas paginas centrais um artigo com todos os conselhos para atingir o amor. Mas isso não é um manual. Uma coisa séria e com rigor cientifico publicado por uma qualquer universidade.
Enquanto estas interrogações se avolumavam na sua cabeça, um volume maior surgia por dentro das calças de ganga já de si justas. O desejo era cada vez mais forte. A vontade era cada vez mais incontrolável. Nesta noite ele tinha que apagar aquele fogo que desde há alguns dias o consumia. Enquanto aquecia no microondas a comida pronta que comprara na loja ao lado do trabalho, ligou o computador e entrou num dos muitos locais de procura fácil de satisfações mútuas, que conhecia. Logo ali começava o jogo, que ele tão bem aprendera a disputar, do tens que idd e como és. Ele ainda era jovem e até bem apresentado, por isso presas era o que não lhe faltavam. Logo ali angariou duas ou três propostas de encontros nocturnos, que terminariam certamente numa qualquer nave espacial em forma de cama. Comeu de forma rápida o esparguete com lombo mal aquecido, e desceu à garagem para se dirigir ate um bar da moda no centro da cidade. Lá estava à espera o seu encontro. Entre dois martinis ambos tentaram mostrar que não eram um qualquer hamburguer vendido numa estação de serviço mas sim uma sofisticada receita francesa de nouvelle cousine. Invariavelmente o resultado foi o mesmo. No dia seguinte nem se lembrava o nome do hamburguer que tinha comido, mas a fome que lhe voltara, essa ele conhecia bem. Ainda não fora nessa noite que encontrara o bem tão precioso que lhe faltava. Ainda não era esse o dia que ele comecaria sem a incómoda sensação de fome que sempre o acompanhara. Será que algum dia ele sentiria a sensação de estar saciado.

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