23 January 2009

E os burros somos nós?

As crises são sempre sinónimo de oportunidade. Quando as coisas correm bem raramente paramos para pensar, deixa correr que o samba está animado e eu quero é sambar.
O momento actual é semelhante a acordarmos de manhã e a meio do duche faltar o gás. Temos de acabar o banho, mas de repente ficamos tão despertos para tudo, que passamos num segundo do reino dos sonhos para o da realidade. Tendo uma visão optimista das coisas, a crise pode ser boa se nos fizer pensar, perceber onde estão os erros, corrigir, mudar, evoluir para um novo patamar, mais evoluído que o anterior.
No Público de hoje duas pessoas de que gosto pela capacidade que sempre tiveram de pensar pela sua cabeça e falar pela sua boca, deixam mais algumas pistas em que devíamos pensar. Todos menos o eng.º! Sim ele vai ler na diagonal e ripostar, o Público desde sempre faz campanha contra mim, isso não interessa nada.
O primeiro artigo é do José Miguel Júdice a propósito da crise e outro de Campos e Cunha a propósito da descida do rating de Portugal pela Standard & Poor's.
"Portugal tem riscos sérios de viabilidade , se os portugueses não se aperceberem que os países, como as civilizações, são mortais. ...... Todos os anos perdemos competitividade, nos afastamos mais dos povos mais evoluídos, diminuímos a densidade de formação, desperdiçamos recursos. Achamos que não devemos pagar impostos, mas que o Estado nos deve proteger nas nossas dificuldades e, por isso, não pensamos no dia de amanhã que não seja para sonharmos com mais uma viagem de férias, mais consumo, mais desperdício, mais exigências, menos esforços"
José Miguel Júdice
"Na situação actual , mais investimento público implica que o Estado vai precisar de mais financiamento (crédito) porque o défice orçamental aumenta. Mais financiamento directo ao Estado vai reduzir, a breve prazo, o financiamento (aquilo que sobra) para os bancos. Menos financiamento aos bancos será menos crédito às famílias e empresas; logo, teremos mais falências, mais desemprego e, também problemas acrescidos para os bancos. O governo volta a reagir com mais investimento ou subsídios públicos conduzindo a maiores défices orçamentais, mais endividamento, novamente, mais problemas para financiamento dos bancos e para o crédito à economia... e assim por diante."
Luís Campos e Cunha

Embora concorde com tudo o que foi dito anteriormente, acho que o final da frase do Júdice merece mais alguma reflexão -mesmo uma resposta - de alguém que, como eu, faz parte de uma das camadas que penso, hoje em dia , menos capacidade tem de ter planos de futuro. Quando o José Miguel Júdice acabou o seu curso deve ter entrado num trabalho onde o acolheram com planos de futuro. Pôde começar a construir uma carreira profissional. Isso permitiu olhar mais a frente, pensar em construir família, lançar projectos, olhar para o futuro. A minha geração é a dos contratos temporários, dos recibos verdes, dos projectos de curto prazo, da navegação à vista sem perspectivas de poder olhar em frente e ver sequer a linha do horizonte. Não é só em Portugal. Em Espanha por exemplo dizem que são a geração 1000€. Há pouco tempo um jornalista com mais de 30 anos ganhou um prémio para a melhor reportagem e na cerimónia de entrega do mesmo refere que há anos trabalha no jornal a recibos, sem férias, sem vinculo sem garantias. Há pouco um amigo meu, também com mais de 30 anos, em conversa me diz, pela primeira vez na vida assinei um contrato de trabalho (era a termo incerto). Nos já muitos anos de trabalho nunca tinha tido um contrato. Era com isto que os medíocres sindicatos se deviam preocupar e não com a defesa das regalias dos acomodados!
Quando a juventude ( e aqui a juventude não é no sentido rasca e balda que normalmente se faz associar e no qual não me incluo) não tem forma de sentir o futuro, como querem que ache importante construi-lo. A juventude do mundo de hoje não é míope, antes pelo contrário, acho que nunca teve tanta capacidade de visão. O que acontecia antes é que quando tínhamos falta de vista (como é o meu caso) íamos ao oftalmologista, fazíamos um teste e trazíamos uns óculos que nos permitiam ver. Hoje organizámos as coisas de forma contrária. Às pessoas que sabem ver é pedido que vão ao oftalmologista fazer um teste, para trazerem uns óculos, que lhes turvam a visão. E a mesma tem aceite, individual e colectivamente, essa realidade sem pestanejar. No entanto, penso que assim não será para sempre, como ainda à pouco se viu na Grécia. Um dos maiores desafios da sociedade actual é a falta de perspectivas da juventude, sobretudo tendo em conta as elevadas expectativas que lhes foram criadas por eles e por outros. Um cego pode acomodar-se bem à realidade de não ver. Mas quem vê e bem, dificilmente se acomodará a usar sempre uma pala em frente dos olhos!