23 August 2008

Bainessa

Há uns tempos escrevi acerca das expectativas. Continuo a acreditar que esse é um dos principais problemas do nosso país e da maior parte dos países latinos. Conseguimos passar do oito ao oitenta mais rápido que o melhor motor da maclaren-mercedes.
Assim foi durante a nossa participação nos jogos olímpicos. Partimos para a epopeia dos jogos como os mais fortes. Mas à primeira onda que abalou a nossa pequena casca de noz, logo ardemos no fogo dos infernos, lançado uma perseguição inquisitiva a todos os que de alguma forma estiveram ligados às competições.
Esquecemo-nos que durante quatro anos ninguém liga absolutamente nada ao desporto.
Esquecemo-nos que durante quatro anos só falamos de futebol, só compramos jornais de futebol, só vimos programas de futebol.
Esquecemo-nos que gastámos milhões em estádios de futebol, alguns como o do Algarve, mas conseguimo-nos lembrar que gastámos 14 milhões, em quatro anos, para financiar oitenta atletas.
Esquecemo-nos que a muitos dos quase campeões, pagamos 1000 euros por mês, que deve ser menos que os gastos com quartos de hotel, que qualquer secretário de estado tem, para pinar com as suas amantes.
Esquecemo-nos de ver qualquer prova desportiva que não seja futebol.
Esquecemo-nos de incentivar os nossos jovens a praticar desporto.
De repente esquecemos tudo isso e desatamos a exigir tudo de todos, mesmo que não tenhamos a mais pálida ideia do que exigimos.
Infelizmente neste país também não é preciso ter ideias sobre nada. É bem mais simples ligar a tv e memorizar as ideias enlatadas que meia dúzia de comentadores "informados" nos fazem o favor de confeccionar. Assim, não precisamos de esforçar a nossa cabeça cansada de uma vida desgastante e entre o jantar e a novela alguém nos formata o pensamento.
Portugal parece um proprietário de uma casa com jardim. No bairro existem mais uma série de vizinhos todos eles com jardins iguais aos nossos. Os vizinhos vivem muito isolados uns dos outros e só de tempos a tempos, por alguma ocasião festiva, se juntam visitando as casas uns dos outros.
Todos cuidam impecavelmente do seu jardim, nele plantando todo o tipo de flores com as mais variadas formas e cores. O Português preguiçoso não faz nada no jardim e por isso encarrega a mulher de nele por erva, que dá pouco trabalho e um efeito lindo. Em frente à televisão com uma cerveja na mão, com a janela para o jardim fechada, raramente lhe dá atenção.
Na ocasião festiva passa por casa de todos os vizinhos e fica maravilhado com os seus jardins. A relva. As cores. Os desenhos. Que coisa magnifica. Fica cheio de vergonha do seu jardim mal amanhado. Inveja o jardim dos seus vizinhos e frente a eles vocifera contra a mulher - a culpada do seu triste abandono. À noite, na solidão do lar, dá uma carga de porrada na mulher que lhe alivia toda a frustração.
Volta para a tv e as cervejas. Volta para as novelas e os jogos de futebol, sem nunca olhar o jardim. Daqui a quatro anos haverá nova festa no bairro. E aí, novamente, se lembrará do jardim e responsabilizará a mulher.