26 December 2006

A Fábrica


O sol já fraco em fim de dia iluminava as águas serenas de um mar já cansado de verão. A praia estava quase deserta, muda, silenciosa. Tão silenciosa que se conseguia ouvir ao fundo o eco dos meus pensamentos. Caminhava lento pela água. Calças de ganga puxadas acima. Ténis numa mão, gelado na outra. Caminhava eu sem destino aparente, quando lá ao fundo, junto à falésia, o meu olhar é atraido por um vulto iluminado pelos últimos raios do dia. O rosto era belo e sorria para mim. O meu corpo, encantado pelo olhar da sereia, ganha vontade própria e segue a rota do encantamento. Estou cada vez mais próximo. Não sei que força é aquela que me atrai, mas deixo o meu corpo seguir. O rosto inspirava paz no meu espirito e irradiava uma beleza quente que aconchegava a minha alma.

ACORDA, JÁ ESTÁS ATRASADO! O teu irmão já tomou o pequeno almoço e tu ainda na cama. Queres faltar de novo às aulas seu irresponsável!

Os gritos eram da minha mãe! Entrara com tudo pelo quarto em direcção à minha janela ainda fechada. Que timing perfeito o dela! Como sempre aliás. Agora que eu estava mesmo no ponto em que ia estabelecer contacto com aquela imagem tão prometedora, lá estava ela para acabar com tudo. Mais um sonho destruído pela força devastadora de uma mãe perdida na função.
Já estava cansado! Durante anos a fio tentava passar a minha mensagem. Do que era importante para mim. Do que me fazia feliz. De quais eram as minhas pequenas ambições ou os meus grandes desafios. Mas nada dessa mensagem passava. A família hoje não passa de uma pequena fábrica. Uma unidade de produção. Um homem e uma mulher que criam uma sociedade anónima, e consoante o capital disponivel arranjam umas instalações para a sua unidade fabril. Como a tecnologia está cada vez mais cara e os portugueses têm a fama de ser pouco produtivos, essas fábricas produzem cada vez menos unidades. Algumas conseguem dois como a fábrica dos meus pais, mas a maioria só um.
E lá andam eles numa correria louca, dentro de uma fábrica poluída de ideias pré concebidas. O ruido das máquinas emissoras de opiniões e regras é tal, que já nada conseguem ouvir. Os apertos diários com as inumeras contas de fornecedores são de tal forma intensos que não lhe deixam espaço livre para pensar. O ritmo industrial é tão forte que não lhes deixa tempo livre nem força para usufruir de algo para além das obrigações do trabalho diário na fábrica.
São trabalhadores tristes e cansados. Enganados e escravizados pela ideia de serem patrões de uma fábrica, que afinal os explora mais que ao mais fraco dos empregados.

A humanidade entrou num negócio que parecia tão lucrativo. Uma oportunidade única de investimento. Para atingir-mos todos os nossos sonhos de liberdade, de riqueza, de propriedade, só teriamos de dar em troca a nossa capacidade de amar, de pensar, de sonhar. Só teriamos de deixar de ser únicos. Só teriamos de deixar de ser humanos, para passarmos a ser máquinas.

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