26 December 2006

Palavras Presas em Folhas Soltas


Hoje apeteceu-me escrever.
Estava com vontade de acrescentar algo mais.
À vontade associou-se o dilema. Vou escrever sobre o que? Agora consigo perceber de que falam aqueles cronistas profissionais que ganham a vida a encher folhas soltas de palavras presas e sem sentido. Todos eles falam da angustia do papel em branco. Ter um texto para entregar numa determinada data para um jornal ou revista e não ter nada sobre o que escrever. Acabam a discorrer sobre um qualquer assunto corriqueiro e sem sentido, libertando opiniões que ninguem quer saber sobre assuntos que para ninguem tem interesse. O que interessa é ter as 50 linhas e as 350 palavras sem contar com espaços, para assim ver debitado na conta o valor semanal da avença pelas suas iluminadas ideias.
Alguns até eram capazes de escrever sobre o não ter nada que escrever. Que idiota. Idiota? Realmente o ser humano tem uma enorme capacidade de criticar os outros sem olhar para o que faz. Então não é que eu estou há não sei quantas linhas a escrever sobre o não ter nada para escrever e ainda sou capaz de chamar idiota a quem o faz. Ainda bem que fui a tempo de perceber o erro e emendar a opinião. Pelo menos assim posso passar por um idiota, mas um idiota com sentido da realidade.
Será que o não ter nada para escrever significa que eu não tenho nada para dizer?
Tenho quase a certeza que não! Estou é entupido. É tanto a pressão de palavras a querer jorrar que a torneira não tem largura para as fazer sair. Acumulam-se. Forma-se um balão!
Podia escrever tantas coisas sobre o passado. Mas porque falar do passado. Já passou! E eu não tenho idade nem posição social para fazer uma biografia. Biografias só deviam ser escritas por pessoas com mais de 70 anos ou com menos de um mês de vida. Que eu saiba, apesar dos dias que escorrem na ampulheta que determina a minha idade, passarem cada vez mais rápido e formarem uma massa cada vez mais volumosa, ainda não reuno as condições citadas.
Escrever sobre o presente é dificil. Não é suficientemente passado para já não existir. Não é suficientemente futuro para ser sonhado e desejado. É presente! E dele não criamos ainda o distanciamento suficiente para escrever sobre ele. Está entranhado na nossa pele descalibrando o nosso tacto. O seu odor ainda impregna o nosso olfacto. A sua imagem ainda ofusca a nossa visão. O seu ruido impede a audição. Sem sentidos validos só nos podemos guiar pela intuição. Pelo coração. Pelo sentimento. Com meios tão enganadoras para formar opiniões, é preferivel não discorrer sobre elas e esperar que passem a fazer parte do passado. O futuro só pode ser desejado. E sobre os meus desejos não quero falar. São meus e não posso partilhar. Sendo assim não se pode escrever sobre nada. E sobre o nada se escreve um texto. E sobre o nada se prendem palavras a uma folha solta.

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